A Reinvenção da Carne Doce em TÔNUS ( resenha)


Por: Thais Dutra
O álbum inteiro é explícito, a linguagem pesada e não ter medo de falar abertamente sobre sexo e intimidades tidas como tabu é marca da Carne Doce, e segue também nesse trabalho. Tônus (2018, Independente) inicia falando sobre algo que está acabando, paradoxal e melancólico, em “Comida Amarga” (“quero um adeus/ quero um final/ mas deus bem sabe o quanto eu rezei pra ser vulgar como um anjo”).  
E é na faixa “Irmãs” que toda poesia feminista característica de Salma Jô se mostra, escancarada, quase como uma adoração à imagem feminina heroica, com mensagem empoderadora e acolhedora: “Dance com seus medos/ tarde ou cedo seu jeito de ser mais feliz / vai pedir bis/ vai te acertar como uma tarde bonita, rainha! Irmã!". Guitarras alucinantes e muita alma nessa música!

A essência psicodélica da banda se mantém, claro, porém mais minimalista que nos álbuns anteriores, delicada nas ondas sonoras, e o que se percebe nesse álbum é que a atenção se volta aos significados das letras, que nos transportam a uma atmosfera de fundo instrumental cósmico. Observa-se isso em todas as músicas do álbum, inclusive em “Besta”,  onde felizmente a poesia acontece crítica e imperativa.

Há muito de uma leveza excitante em “ O Amor Distrai”, se liga nesse trecho: “e vamos descobrir o que me excita / o que te excita/ o que fazer pra ser mais foda/ Porque eu só gozo assim/ em alto e bom som...”. A canção foi feita em parceria com Dinho, vocalista da Boogarins. “Brincadeira”  também é outra canção que veio dessa parceria, tem um instrumental que começa tímido, mas logo as guitarras de João Victor Santana e Macloys Aquino viciam, e a letra repensa a exclusividade nas relações sexuais É que às vezes eu me sinto bobo/ Nesse papo de ser dono de gozo”.
A lisura em abordar temas tão íntimos é muito presente em todas as composições. Em “Já passou”, Salma Jô abre o coração e escorre mel, com sensibilidade única ao falar da relação a dois, os passarinhos ao fundo reafirmando o romantismo da canção. Surge uma pegada mais enérgica, com instrumental crescente lembrando os 80’s, na faixa que intitula o álbum: “Tônus” discorre sobre a finitude dos corpos com muita maturidade (Bom saber que vai-se o viço / Eu conheço a finitude sim”).

Quem ouve o início doce da melodia de “Ossos” se surpreende ao prestar atenção na letra: uma verdadeira pedrada na mente. Sincera, com toda a entrega e reparo dos compositores (Salma e Macloys): “quase todos os pais vão direto pro inferno/ e muito poucas mães não são santas normais/ quase todos os ossos não foram quebrados/ quase todo café da manhã foi feliz / quase todos tiveram seus sonhos sonhados”.

O single “Nova Nova” tem um beat gostoso e o baixo marcante de Aderson Maia, além de muita acidez nos versos. E pra finalizar, é de praxe: a última faixa de todos os discos da banda sempre ecoa com força! Assim como Adoração e Açaí, “Golpista” traz angústias, medos, muito lirismo, em letra de poesia fina (“Flores em fogo / Tédio na brisa / Tudo traz ânsia / Nada sacia / Houve um surto de bege euforia / E por fazer nada estive golpista”). Instrumental pesadíssimo, guitarras e baixo flutuantes fecham o álbum com chave de ouro.
A aura de mistério e erotismo ronda todas as músicas, e pode ser observada também na arte de capa produzida pelo casal Salma e Macloys. Tudo parece minuciosamente trabalhado, cada camada instrumental em cima de cada sílaba. As composições sempre marcantes pela peculiaridade em que se revelam os dilemas, as intimidades, as lutas (internas ou não), dores, paixão e toda potência que nunca abandonou o quinteto goiano, são o grande triunfo de Tônus. Carne Doce não precisa provar mais nada pra ninguém.

Capa do álbum

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