UM FESTIVAL PARA SER CONSCIENTEMENTE LIVRE: ARVO 2019


Texto e foto por Thais Dutra (Florianópolis/SC)

Um festival para ser livre, eles disseram. Mas sem esquecer daquela máxima de que “sua liberdade termina onde começa a do outro”. Nem mesmo a galera descolada, que gosta de brilhar no glitter, fumar um cigarrinho e defender as tartarugas marinhas foi esquecida: sem hipocrisias, no Arvo o glitter era biodegradável, nenhum copo descartável fora utilizado, e, por todos os lados, alguma placa de pura arte questionadora do artista Camilo Silva nos lembrava que bituca é lixo, sim!

Isso é gostar do Brasil de cabo a rabo, da natureza aos ritmos brasileiros, por que gostar é curtir, mas também é cuidar. Falando em ritmo, pode não parecer, mas eu quero falar de música aqui, viu?



A primeira banda a subir no palco foi a Tuyo , com o melhor humor que eu já vi (até mesmo para quem tocava abaixo de um sol escaldante): o público ouviu e riu de uma gracinha atrás da outra da menina Lio. Além disso, também ouvimos um show de vozes, por vezes em uníssono, do trio que, já na capa do primeiro trabalho (o EP Pra Doer - 2017), se mostrou entrelaçado, e no palco reafirmou que toda essa conexão de almas entre os integrantes (Lio, Lay e Rafael) segue firme atualmente. Com letra de conteúdos viscerais, a banda explora o universo emocional sem pudor de falar das dores mais profundas, até mesmo de assuntos não muito tocados, como a vontade de morrer. Rolou aquele duelo de sentimentos com as piadas entres as músicas, eu alternei entre uma risada e uma chorada, tranquilamente, várias vezes. O afrofolk futurista da Tuyo também traz duelos em suas sonoridades, que alternam entre o sintético dos elementos eletrônicos e o orgânico das vozes harmônicas. Releituras malemolentes foram apresentadas no show, a canção Solamento de repente ficou dançante? Ficou demais. E teve participações especiais, das amigas Júlia e Carla, como vocais em duas canções, e uma galera animada que foi convidada a subir ao palco e requebrar no final do show. Virou bagunça, virou festa, foi gostoso. 


Luedji chegou como uma entidade elegante e tão notável, tão gigante, mandando forte mensagem de identidade e pertencimento ao povo negro, em especial à mulher. Eu ouvi esse lero quietinha como quem tem tanto a aprender. Para além do Brasil de 2019, para além de visões até motivadoras, de quem diz que 4 anos passam rápido, esse show foi muito especial pra mim porque Luedji Luna me conecta com o universo.

O jeito que ela olha pras coisas é lindo. É delicado. E inunda, como a água que lava e o vento que se faz dentro quando a gente ouve o som. Eu lamento que a vida tenha sido dura a ponto de nós prestarmos atenção em cada dor, e doer junto, na boca da noite, ao mais tardar das horas. Eu lamento que a vida tenha sido dura a ponto de nós prestarmos atenção em cada dor, e doer junto, na boca da noite, no mais tardar das horas? Já não mais sei se lamento. Porque parece que Luna nos conta os segredos, e a gente se rende, se reconecta com o que importa.

Uma África diaspórica se reinventou fora do continente com as sonoridades que Luna resgata e mistura:  ritmos do congo e do batá cubano com o samba, o batuque baiano, o reggae;  influências também do jazz, blues, pop… e por aí vai. A convidada mais que especial foi a Marissol Mwaba, que chegou dando Notícias de Salvador.


Lamparina e a Primavera
trouxe ao Arvo muito agito! Ritmos dançantes, arranjos suingados com repertório diversificado que foi de Alcione ao maracatu. A gente pôde perceber um palco cheio e sem protagonismos. Também notável foi a potência feminina, o colorido dos figurinos e diversão ao tocar: tudo conversou muito bonito. Criatividade é a palavra que melhor define energia que envolve Lamparina. Teve forró, rock, bolero, samba funk dos anos 80, teve SURPRESA para quem, como eu, não conhecia a banda e deixou para experienciar tudo assistindo uma performance teatral contagiante




A última banda a tocar no palco mais diversificado do sul da ilha de Florianópolis foi  BNegão e os Seletores de Frequência. Bernardo já chegou querendo botar fogo no parquinho chamando o público para assistir, comendo pipoca, a briga entre lavajatistas e bolsonaristas: não adianta, a acidez política do rapper não morre, pelo contrário, só aumenta. E a gente gosta. Rap, funk, dub, hardcore, samba e muito instrumental explodiram no show mais libertário da noite, lutando também pelo direito de festejar.

Resumindo? O festival inteiro foi uma experiência cultural (e não apenas musical), incrível. Todos os Dj’s que tocaram, todos os artistas plásticos que criaram em tempo real, todos os espaços criados para conexões culturais confortáveis, as mulheres com presença dominante no palco, enfim… tudo pareceu tão bem pensado que foi muito natural ficar a vontade e curtir. Não teve como não curtir.


Em tempos de entreguismo e pagação de pau pra gringo, participar de festivais como Arvo me faz ver porque a melhor música do mundo é a brasileira.



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